segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Um gás na carreira

A futura presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, tem uma promoção estranha no currículo – no tempo em que trabalhou com Dilma no Ministério de Minas e Energia

ISABEL CLEMENTE

Aos 58 anos, a engenheira Maria das Graças Foster, diretora de Gás da Petrobras, é a Dilma da Dilma. Uma mulher séria, um tanto impaciente, que coleciona elogios e temor devido ao rigor de suas cobranças. Mãe de um casal e avó de uma menina, é capaz de dedicar mais de 14 horas do dia ao trabalho, abrindo mão de férias por anos a fio. Graça, como gosta de ser chamada, foi escolhida para ser a próxima presidente da estatal, em substituição a José Sergio Gabrielli. Quando estiver confirmada no cargo, algo esperado para a próxima semana, ela entrará para o seleto clube das executivas mais influentes do planeta. Será também o auge na carreira da funcionária que entrou há 32 anos na estatal como estagiária e passou por praticamente todas as áreas da empresa, como gás, distribuição, pesquisa e petroquímica.


Esse grande salto profissional de Maria das Graças foi possível porque, na década de 1990, ela conheceu a então secretária de Energia do Rio Grande do Sul, Dilma Rousseff. Ficaram amigas. Quando Dilma, em janeiro de 2003, foi nomeada ministra de Minas e Energia no primeiro governo Lula, a atual presidente a chamou para ocupar o cargo de secretária de Petróleo e Gás do ministério, onde ficou por mais de dois anos. Esse período guarda, no entanto, um episódio suspeito. Em 2004, de acordo com documentos oficiais da Petrobras obtidos com exclusividade por ÉPOCA, Maria das Graças ganhou uma nomeação retroativa na empresa. Um memorando datado de 11 de março de 2004 promove a química de petróleo sênior Maria das Graças Pena Silva (nome de solteira da futura presidente da Petrobras), que exercia na empresa o posto de gerente de tecnologia, ao cargo de confiança de gerente da unidade de Gás Natural da CEG Rio. Trata-se da companhia de distribuição de gás do Rio de Janeiro, empresa na qual a Petrobras detém participação via Gaspetro. O que há de mais estranho é que a data da nomeação é anterior à do memorando: 29 de janeiro de 2003. Maria das Graças ocuparia o cargo de outra funcionária, Lecy Pires Colnaghi.
Segundo juristas, esse ato de nomeação retroativa constitui, por si só, uma ilegalidade. “Não existe nomeação retroativa. A única hipótese seria por decisão judicial porque a pessoa tinha direito a um cargo, não tomou posse e teve o direito reconhecido, o que obriga o pagamento retroativo. Do contrário, é um ato ilegal”, diz o procurador da República no Tribunal de Contas da União (TCU) Julio Marcelo de Oliveira. Quem executou a operação foi Djalma Rodrigues de Souza, então gerente executivo de Gás Natural da Petrobras – personagem que mais tarde ficaria conhecido por ser afilhado de Severino Cavalcanti, o folclórico ex-presidente da Câmara dos Deputados que renunciou ao cargo em meio a denúncias de recebimento de propina. Foi para Djalma que Severino reivindicou um cargo de diretor da Petrobras, com a frase que ficou célebre: “Não quero uma diretoria qualquer, e sim uma diretoria que fura poço”.
O cargo que Maria das Graças exercia no ministério de Dilma – secretária de Petróleo e Gás – tinha o código DAS 6, o mais alto da Esplanada. Naquela ocasião, a remuneração de um DAS 6 era de R$ 7.575. Como gerente de tecnologia na Petrobras, Maria das Graças recebia R$ 9.700, aproximadamente. Quando um funcionário é cedido por uma empresa do governo federal a outro órgão ou um ministério, o gasto é todo de quem requisita. A empresa – no caso, a Petrobras – é ressarcida pelo ministério. Segundo normas do Ministério do Planejamento, cabe ao funcionário optar pela fórmula mais vantajosa: ganhar o DAS na íntegra ou receber o mesmo salário da empresa mais um porcentual do DAS. Como Maria das Graças ganhava mais na Petrobras, era interessante para ela manter o salário da estatal e receber mais 60% do salário do cargo comissionado. Quanto maior fosse o salário da estatal, maior seria sua remuneração final. E o salário de gerente da CEG era 50% maior que os vencimentos relativos ao cargo de gerente de tecnologia na Petrobras.
Sobre o episódio, a Petrobras reconhece que existe um documento com datas retroativas, mas atribui tudo a um erro administrativo. A empresa diz que a promoção de Maria das Graças Foster tinha sido acertada antes de ela ser convidada a ir para Brasília e que o processo teria sido concluído apenas em março de 2003. Por esse motivo, diz a empresa, a executiva vinha sendo remunerada desde então pelo valor mais alto. A nomeação para o cargo de gerente da unidade de Gás Natural da CEG Rio saiu com data retroativa, segundo a Petrobras, porque teria ocorrido um erro na hora de aprovar a cessão de Maria das Graças para o Ministério de Minas e Energia. Para que o funcionário cedido mantenha o salário da Petrobras, é necessário, pelas normas da estatal, que a cessão seja aprovada pela diretoria executiva da empresa. Em 2003, isso não foi feito. Um ano depois, quando a cessão de Maria das Graças para o ministério precisou ser renovada, a empresa decidiu pela nomeação retroativa para sanar o problema. Segundo a Petrobras, não houve remuneração indevida a mais nem pagamentos retroativos.
A resposta da Petrobras suscita, porém, outras questões: se havia uma promoção em vista para Maria das Graças, por que foi preciso dar a ela uma nova função, numa empresa coligada da Petrobras, um ano depois? Se a promoção foi concluída em março de 2003, por que a nomeação retroativa tem a data de 29 janeiro de 2003, praticamente coincidente com a nomeação para secretária de Petróleo e Gás, em 31 de janeiro? Foi mais um erro, admite a Petrobras. No mínimo, segundo os procuradores ouvidos por ÉPOCA, o processo todo requer uma apuração. “Essa situação, de nomear retroativamente, caracteriza fraude por falsidade ideológica e improbidade administrativa, inclusive por parte da pessoa beneficiada se tiver recebido vantagem ilícita. Teria de ser investigada”, diz a procuradora regional da República em São Paulo, Janice Ascari.
Todo esse episódio acrescenta uma nota a mais de desassossego à nomeação de Maria das Graças para a presidência da Petrobras. O anúncio de sua escolha para o cargo às vésperas da viagem, na semana passada, do atual presidente José Sergio Gabrielli para o Fórum Econômico de Davos, na Suíça, causou embaraços internos. A notícia soou como uma demissão de Gabrielli, que tinha uma relação conflituosa com a presidente. De Davos, Gabrielli tentou botar panos quentes e defender sua gestão. Ele afirmou que, com Maria das Graças, haverá continuidade na direção da Petrobras porque o governo sempre mandou na empresa. “Não é verdade que saí porque discordei (de Dilma Rousseff)”, disse Gabrielli, um recordista no posto, onde está há mais de seis anos.

SINTONIA
Empossada, a executiva deve alinhar a estratégia da Petrobras com a do Planalto


A substituição de Gabrielli por Maria das Graças, pela proximidade da futura presidente da Petrobras com a presidente Dilma, deverá significar um alinhamento ainda maior da empresa com o Palácio do Planalto. A presidente Dilma, nos bastidores, queixava-se de atrasos no cronograma de exploração do petróleo da camada pré-sal. Com a chegada de Maria das Graças, esperam-se mudanças na diretoria e nos principais cargos gerenciais. A primeira baixa será o diretor de Exploração, Guilherme Estrella, que já comunicou a seus comandados que deixará o posto. Especula-se também que será criada uma nova diretoria, onde seria colocado o ex-presidente do PT José Eduardo Dutra, um dos coordenadores da campanha presidencial de Dilma em 2010 e presidente da Petrobras entre 2003 e 2005. Apesar da perspectiva de maior interferência do governo, a escolha de Maria das Graças foi bem recebida pelos analistas do setor de petróleo. “Ela é fera, sabe delegar e cobrar. Ganhou notoriedade na defesa da empresa”, diz Jean Paul Prates, especialista da área e ex-secretário de Energia do Rio Grande do Norte.
Maria das Graças tem mestrado em engenharia química e pós-graduação em engenharia nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). Mineira, morou, até os 12 anos, no Morro do Adeus, uma das comunidades do Complexo do Alemão, um conjunto de favelas do Rio de Janeiro. Para financiar seus estudos e ajudar no sustento da família, trabalhou desde jovem. Como a presidente Dilma, Maria das Graças é descrita por muitos assessores como uma mulher difícil e dura no trato. Mas a futura presidente da Petrobras tem também seu lado folião. Ela desfila há vários anos na escola de samba União da Ilha e comparece aos ensaios na quadra como uma boa integrante, informa o presidente da agremiação, Ney Filardi. “Ela está sempre lá, na maior simplicidade, com a família. É tranquila, nunca a vi bebendo. Fico muito lisonjeado com sua presença. Espero que não nos abandone”, diz Filardi. A Dilma da Dilma tem lá também suas diferenças em relação à original.

Da Revista Época

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