quinta-feira, 18 de junho de 2009

Os pombos é que voam mal

De Sebastião Nery

RIO – Em 1943, Getulio Vargas, Presidente, foi a São Paulo para comemorações na 2ª Região Militar, comandada pelo general Mascarenhas de Morais. Com ele, o interventor Fernando Costa, o secretario da Fazenda Coriolano de Góes e o filho, ainda garoto, Virgilio de Góes.

Houve um campeonato de “tiro aos pombos”. Participava o campeão nacional, major da 2ª Região, que nunca errava uma: o pombo voou, derrubava. Naquele dia, o major estava de azar.

Voou o primeiro pombo, “paaa”, errou. Voou o segundo, “paaa”, errou. Voou o terceiro, “paaa”, errou de novo. O major ficou encabulado, vermelho, aflito, desistiu. O menino Virgílio puxou o braço do pai:

- Pai, ele não é o campeão? Por que não acertou nem uma vez?

- Cala a boca, menino!

Não adiantava. O major já tinha ouvido. Getúlio também. Getúlio tirou o charuto da boca, consolou o major:

- Major, o senhor atira bem. Os pombos é que voam mal.

CEXIM

Dez anos depois, 1953, Getúlio Vargas novamente Presidente. Jânio prefeito de São Paulo. Carvalho Pinto secretário da Fazenda de São Paulo. Coriolado de Góes,diretor-geral da Cexim(Comissão do Comercio Externo)

Uma tarde, aparecem no gabinete do diretor da Cexim, no Rio, Jânio e Carvalho Pinto. Precisavam de uma licença especial do governo para importação, da Alemanha, de peças para os ônibus da CMTC, a empresa municipal de ônibus. O chefe de gabinete, Virgilio de Góes, filho do diretor, lhes diz que o pai não costumava receber ninguém à tarde, mas que, evidentemente, tratando-se do prefeito de São Paulo, a exceção era normal.

JANIO

Jânio entrou no gabinete, ficou duas horas, resolveu o problema, saiu sorrindo. Chamou Virgílio, pegou-lhe as duas mãos, encostou-as ao peito, entortou os olhos, dobrou as canelas e lhe disse pateticamente:

- Meu jovem, devo-lhe a salvação da CMTC.

- Nada disso, prefeito. É apenas dever do governo federal ajudar a prefeitura de São Paulo.

- Quero que me diga, qualquer dia em que precisar de alguma coisa, o que deseja. Fa-lo-ei imediatamente.

Foi saindo, voltou sobre os calcanhares retorcidos:

- Nem precisa telefonar. Pense, apenas pense, que eu o atenderei.

VIRGILIO Virgilio de Goes, advogado de carreira do Banco do Brasil, era da confiança absoluta de Leonel Brizola. Criado o PDT em 1981, foi tesoureiro da Comissão Executiva Nacional (Brizola presidente, Doutel de Andrade vice, José Frejat secretario-geral, eu secretario nacional, e outros) até 1996. Brizola governador, foi diretor-financeiro do BANERJ (1982-86).

No segundo mandato de Brizola, foi presidente do Metrô de 1990 a 1993.

Inteligente, competente, honrado, bem falante, simpático, conhecia os políticos brasileiros desde Getulio, sempre acompanhando o pai, o baiano Coriolano de Goes, que começou na Republica Velha como chefe de Policia do Distrito Federal, no Rio, no governo de Wahington Luis, de 1926 a 1930. D0epois foi ministro do Superior Tribunal Militar, e, com a revolução de 30, passou um ano exilado em Paris. Coriolano retornou ao pais e em 1944 voltou a dirigir o Departamento Federal de Segurança Publica, já então no governo do ex-adversario Getulio Vargas. No segundo governo de Vargas, comandou a poderosa Cexim.

Nas reuniões da Executiva Nacional do PDT, quando alguém do governo Brizola ia mal, Virgilio procurava ajudar, contando a historia do major campeão de “tiro aos pombos”, dizendo que talvez a culpa não fosse do companheiro mas dos pombos, dos problemas que estavam voando mal.

Meu amigo Virgilio morreu esta semana aqui no Rio, aos 85 anos.

SARNEY

Saber viver não é fácil. Mas é patético não saber envelhecer. O discurso do senador José Sarney no Senado foi uma obra prima de tentativa de disfarce. Ele é o presidente do Senado que, sob o seu comando, está há quatro meses afundando. Mas a crise do Senado não é dele, é do Senado.

A conta do banco onde era depositado o auxilio-moradia que ele não podia receber, porque tem a casa oficial do Senado, era dele. Mas Sarney não sabia. O neto é dele. Passou dois anos pendurado no gabinete do senador Cafeteira, eleito por ele no Maranhão. Mas Sarney não sabia.

O neto foi obrigado a sair, porque era nepotismo, e em lugar do neto foi posta a mãe do neto. Mas Sarney não sabia. As duas sobrinhas eram dele, nomeadas no escuro, a pedido dele. Mas Sarney não sabia.

O INJUSTIÇADO

O impudor do discurso a Nação inteira viu e ouviu. Chegou ao extremo de queixar-se, a voz tremula, quase chorando, de que estava sendo “injustiçado, depois de 50 anos vida publica, a serviço do Brasil”.

A entrevista de Sarney à “Folha” foi a abertura do espetáculo:

1. - “Eu tenho um nome que deve ser julgado com respeito. Tenho uma biografia. Nunca alguem associou minha vida publica ao nepotismo”

2. - “Tudo está sendo analisado... Vamos examinar...Estamos tentando apurar...Eu pelo menos nunca soube”...

Sarney não tem culpa de nada. A culpa é dos pombos, que voam mal.

Seu livro “Testamento para Roseana” é “Emaranhado para Roseana”. www.sebastiaonery.com.br

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