Deu em O Globo
Inevitável explicar a irritação do deputado Ciro Gomes, demonstrada em ácidas declarações contra o projeto político-eleitoral do presidente Lula, pelo fato de ele, enfim, ter concluído que seria “cristianizado” pelo seu partido, o PSB, por pressão do lulopetismo.
De nada adiantou Ciro argumentar que, lançado como segundo candidato da situação, seria bom coadjuvante de Dilma Rousseff, para ajudá-la a ir ao turno final das eleições presidenciais.
Pesou mais para Lula, patrono absoluto da candidatura Dilma, o risco de Ciro, político com razoável quilometragem, já com várias experiências eleitorais, inclusive de campanhas ao Planalto, chegar à frente da ex-ministra no primeiro turno.
E assim Ciro foi transformado em mais um projeto de candidato a recolocar nas análises políticas o termo cunhado na eleição de 1950, quando o mineiro Cristiano Machado, lançado pelo PSD, teve a candidatura esvaziada pelo próprio partido a favor de Getúlio Vargas, candidato do PTB, e afinal vitorioso.
A “cristianização” de Ciro Gomes deve ser consumada hoje, em encontro da executiva do partido.
Numa espécie de erupção vulcânica, Ciro Gomes chegou ao ponto de considerar o adversário de Dilma, o tucano José Serra, em relação a quem não nutre qualquer simpatia pessoal, não apenas o provável vitorioso nas eleições, como o mais bem preparado para enfrentar as crises fiscal e cambial previstas por ele para ano que vem ou o próximo.
Ciro destilou altas dosagens de mau humor com a candidatura oficial em entrevistas ao portal “iG” e ao telejornal “SBT Brasil”. Cabe discutir se o virtual ex-pré-candidato tem razão no pessimismo sobre a economia.
Quanto ao déficit externo crescente, uma das facetas do aquecimento da economia, é pouco provável que haja uma crise clássica de estrangulamento do balanço de pagamentos, devido ao regime de cambio flutuante. Afinal, à medida que o saldo negativo cresce, a desvalorização da moeda corrige as perdas, por meio de um aumento das exportações e do corte no fôlego das importações, dos gastos com turismo, etc.
E de mais a mais o país conta com um volume de reservas externas (US$ 245 bilhões) capaz de conter qualquer surto especulativo. O que não significa relaxar com o front externo. Uma forma eficiente de administrá-lo é reduzir o custo Brasil.
Já a percepção de Ciro da questão fiscal faz todo o sentido. Isso porque o segundo governo Lula colocou em prática um entendimento de “Estado forte” — defendido pela candidata Dilma — cujo resultado tem sido o crescimento das despesas em custeio a taxas superiores às do PIB.
E pior, despesas que se eternizam; só podem, portanto, ser podadas pela inflação: salários de servidores, benefícios previdenciários e assistencialismo.
Se não houver uma crise, ocorrerá, no mínimo, um constrangimento fiscal, com o próximo presidente obrigado a ser de fato austero na execução do Orçamento.
A saia justa que o inchaço da máquina pública e a hipertrofia do assistencialismo produziram se expressa em alguns poucos números: a União arrecada 36% do PIB em impostos — uma carga tributária pesada —; mesmo assim ainda tem um déficit público total na faixa de 2% e só consegue investir em infraestrutura algo como 1%.
E o próximo governo, seja qual for o presidente, terá de investir mais na infraestrutura e em educação. A conta tende a não fechar.
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