segunda-feira, 25 de maio de 2009

Roma, anjos, demônios, a voz de He-Man e o ar condicionado

(Afonso Dantas)

 

Quando pequeno, morando em Mont Serrat – que na época ainda era um bairro nobre de Salvador, lembro-me de freqüentar de vez em quando o Cine Roma, que fica no Largo do mesmo nome, também na cidade baixa, principalmente durante a semana, já que os outros ficavam bem mais longe e eram para passeios de final de semana. E naquela época a cidade baixa era um lugar aprazível, hoje em plena decadência, mas aí já é outra história.

Voltando às infantis lembranças, recordo das matinês no Cine Roma e da expectativa de ver os lançamentos dos filmes de sucesso e – embora ainda criança – adorava os filmes de terror, principalmente as reprises dos filmes antigos de Drácula e outros ainda mais antigos de Lobisomem.

Mas, apesar da precariedade das produções daquela época, o que mais “metia medo” era a precariedade do Cine Roma, e os rasantes dos morcegos eram o verdadeiro terror ao lado do barulho dos ratos correndo pelos corredores e do ranger das cadeiras pra lá de velhas...

Muito tempo depois, o cinema me conquistou, e de filmes como Star Wars e Indiana Jones, as lembranças vão evoluindo como a estrutura dos cinemas cada vez melhores e mais sofisticadas, envolvendo som, luz e conforto para você “viajar” nos enredos ou efeitos hipnotizantes da sétima arte.

Final de semana chuvoso em Itabuna, filme comentado em cartaz – confesso que gosto de assistir a tudo que passa no cinema (ou fora dele, como nas locadoras ou na TV a Cabo), mas “adoro” os filmes com produção e efeitos esmerados, desde que tenham roteiro e direção competentes, é claro – resolvemos ir ao cinema assistir ao esperado “Anjos e Demônios” de Dan Brown, filme baseado em livro já lido por mim, o que já é temeroso, pela comparação do livro com o filme, mas vamos lá.

Chegando em cima da hora, qual foi a minha surpresa ao ver que ao invés das vozes do atores, como Tom Hanks e Evan McGregor o que ouviríamos seria a voz de He-man e outros personagens que permeiam nossas seções da tarde, ou seja, o filme era dublado. Mesmo me sentindo sendo tratado como um analfabeto que não deve conseguir ler uma legenda, já estava lá e resolvemos ficar e assistir com voz de He-man e tudo. Guerra é guerra!

Filme iniciado, começa o festival de luzes. Não do filme, mas do ensandecido e solícito lanterninha, que parece adorar exibir seu equipamento novo com a discrição de um hipopótamo bêbado, conseguindo chamar mais atenção do que as cenas bem dirigidas na tela.

Mas enfim, começa a conversa. De novo, não no filme, mas ao lado, pois parece que o cinema é o melhor local para se colocar o papo em dia, para se testar o celular ou para despejar o estoque de fofocas e piadas. Mas fazer o quê, além de um ou outro “psssssssss”?

Nesse cenário, já envolvido na trama do filme, há uma cena – quem ainda não viu, não se preocupe, não atrapalha em nada – em que vão desligando as luzes de partes do Vaticano, e desligam um ar condicionado onde o herói está, cortando seu suprimento de ar. E não é que este sistema é tão sofisticado que desligou o ar do cinema também? É. Deve ser a tal da interatividade. O cenário – no caso, o cinema – deve ser uma extensão do filme e deve ser bastante natural ver todo mundo no cinema se desfazer de seus casacos e apetrechos, compartilhando o calor e a falta de ar do personagem do filme de Dan Brown.

Lembrei que ainda bem que não estávamos assistindo a nenhum filme de incêndio ou naufrágio. E lembrei também do Cine Roma e de seus morcegos dando rasante em plena exibição de Drácula.

 Meu Deus! – pensei – eles já tinham inventando o cinema interativo naquela época...

 

Afonso Dantas é Administrador de Empresas, Especialista em Marketing e Sócio e Diretor de Criação da Camará Comunicação Total (Ex-Comunik Propaganda). Blog: afonsodantas.blogspot.com

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