quinta-feira, 2 de julho de 2009

OS CHARUTOS DE SARNEY

RIO – Da tribuna da Câmara, Carlos Lacerda, líder da UDN, fazia um discurso violento contra o presidente Vargas e insinuou que ele era conivente com a corrupção. Flores da Cunha, general, gaúcho, deputado pela UDN, liderado de Lacerda, pediu um aparte:

- Senhor deputado e líder Carlos Lacerda,sabem a Câmara e a Nação que sou adversário de Getúlio. Mas não admito que ninguém, nem mesmo V. Exa., meu correligionário e meu líder, diga ou sequer insinue que o presidente Vargas tenha ficado, em qualquer época, com um tostão sequer que não fosse seu. Vargas sempre foi um homem probo e incorruptível. O aparte de Flores da Cunha teve a maior repercussão por sua conhecida briga com Getúlio. De noite, no Catete, depois do jantar, Getúlio conversava com amigos:

- Flores deu uma boa hoje. Como eu tinha vontade de lhe mandar uns charutos! Quem os levaria? Ele, nos seus rompantes, pode querer devolver.

FLORES

No dia seguinte, um funcionário saiu com uma caixa de “havanas”. Entrou na Câmara, no Palácio Tiradentes, o general estava na sala do café conversando numa roda,com sua roupa branca,a bengala e o eterno charuto:

- General, preciso falar com o senhor.

- Pois não, meu filho. Pode falar aqui mesmo.

- Trago uns charutos que o Presidente mandou.

Flores arregalou os olhos, bateu a bengala no tapete:

- Que presidente, meu filho? Tem muito presidente por ai.

- O presidente do Flamengo, general.

- Ah, muito bem. Então me dê os charutos.

E soprou uma fumaça, feliz como um minuano.

O CORONEL

O senador Sarney é o próprio retrato do abandono, da solidão. Está com uma caixa de charutos do melhor fumo cubano prontinha para mandar para o primeiro que o defender no Senado. E ninguem se anima. Ninguem se atreve. Nem sequer com o mais mofino dos apartes.

O senador Raul Raupp, do PMDB de Rondônia, cumprindo ordens da liderança do partido, foi à tribuna com a missão ingrata e impossível. Mas, em vez de falar, apenas leu uma nota oficial da bancada, fria, murcha, envergonhada. Melhor fôra se lá não fosse.

Sarney deve ter pensado muito em Gabriel Garcia Marquez nesses dias. “Ninguem Escreve ao Coronel”, é o nome de um dos primeiros grandes livros (de 1961) do colombiano Premio Nobel de Literatura.

Ombros largados, braços arriados, olhos para o chão, Sarney é a própria triste curvatura do coronel evitado, encostado, abandonado. Ninguem o procura. Nem sequer lhe escreve. Os charutos havanas começam a secar na caixa, sem destinatário e sem destino.

ACADEMIA

No “Globo”, o Ancelmo Góis deu uma noticia devastadora:

- “Um grupo de moradores da Vila Kennedy, na Zona Oeste do Rio, promete fazer amanhã (ontem) um ato na porta da ABL (Academia Brasileira de Letras) contra o academico José Sarney. Levarão creolina e vassoura para lavar as escadarias”.

Vila Kennedy é aquele bairro de pobres, que Carlos Lacerda criou para tirar favelas da zona sul do Rio e acabou virando outra favela, horizontal. Eles devem entender de lavagens com creolina e vassoura.

MACHADO

Machado de Assis não merecia ver isso. Vai acabar descendo daquele pedestal, na entrada da Academia, para esconder-se envergonhado nos fundos de sua gloria centenária.

Ao Amapá Sarney há muito tempo não voltou. Do Maranhão já tinha sido escorraçado e impedido de continuar sendo por lá candidato. Na Academia, lavado a creolina. O que é que Sarney está esperando? Que usem “Baygon” na poltrona da presidencia do Senado?

UMBUDSMAN

Já não se precisa mais de diploma para ser jornalista, o que sempre foi uma rotunda e esperta bobagem. Mas não custa as redações terem enciclopédias ou buscarem a internet para apurar as coisas mais simples.

Ao pé de um competente, como sempre, texto de Almino Afonso contra as reeleições executivas, todas elas, quaisquer que sejam, por serem antidemocráticas e instrumentos de corrupção, diz a “Folha de S. Paulo”:

- “Almino Afonso, 80, advogado, foi deputado federal pelo PSB de São Paulo (sic), ministro do Trabalho e da Previdência Social no governo João Goulart e vice-governador do estado de S. Paulo de 1983 a 1985”.

ALMINO

Errado. Paulista nascido no Amazonas, presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, Almino elegeu-se deputado federal pelo PTB do Amazonas em 1958, reeleito no Amazonas em 1962, líder do PTB na Camara e ministro cassado e exilado no golpe militar de 1964.

Anistiado, foi vice-governador com Orestes Quércia (1986 a 1990). Eleito deputado federal em 1994 pelo PSDB, combateu a emenda da reeleição de Fernando Henrique, pediu uma CPI contra a compra da reeleição, deixou o partido e concluiu o mandato no PSB.

Se “não dá para não ler”, que o leitor possa ler o certo.

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